A Carcaça
Sobre a mesa a meia-luz
meia vida ali servida.
Meia alma, meia coisa…
na vazia cozinha, perdida.
Meio tudo que não é nada,
meia coisa indefinida.
Carne de músculo,
defumada à nicotina.
Carmim carcaça talhada
ao fio do verso que desatina,
que dilacera cego
quando com eu te amo termina.
Palavras férreas
de afiada rima
perdem o fio
- perdem o clima… -
Emperra, dura, a lâmina
nos músculos inflamados:
Nós de nervos
nós de peito
- nós de enfados -
Nós de roupa!
Pelo cansaço domados.
Nós, dois trouxas,
podendo estar pelados…
Pois agora estou desnudo,
veja bem:
exposto aos pedaços,
- orelhas mãos barriga -
pela angustia feita lima ao aço
- coração fígado bexiga -
propelido ao teu lado.
Joguei-me por completo
- pedaço por pedaço -
e tua janela atravessei
encontrando meu espaço.
O resto dei aos cães.
- Corte nobre já estragado -
E sem restar nada me traguei,
traduzindo-me a consumado.
Não sei qual fora a desatenção,
não sei ao que se deu o embaraço.
Vejo a mesa posta
mas não encontro teu regaço.
A antes janta exposta
de tua carne ali despida,
da agora lugar a aflição
ao silêncio da noite servida.
Aparece-me justaposta
tua imagem adormecida.
- Carne fria na noite -
Longe de ser consumida.
Frigorífico de nosso quarto,
guarda a carne em tira,
amaciada ao martelo
seguindo o ritmo da rotina.
Resto de peito em infarto
com tua falta revira,
tal qual descontrolado cutelo
prorrogando a chacina.
Mas
do que me sobra em estilhaço
- não há faca, não há aço -
que possa para mim ser assassina,
Pois
compraz e arrebatado
meu peito sabe,
- ainda que retalhado -
que não há paixão perdida.
Que não há carne
que não possa ser reaquecida.